Os precatórios representam um dos mais importantes instrumentos de execução contra a Fazenda Pública no Brasil, constituindo requisições de pagamento expedidas pelo Poder Judiciário para cumprimento de obrigações financeiras impostas em sentenças transitadas em julgado. O recém-divulgado Relatório de Precatórios 2026, elaborado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, traz dados essenciais para quem atua nesse segmento específico.
Este artigo apresenta uma análise técnica e objetiva dos principais números e tendências identificados no relatório, oferecendo uma visão estratégica tanto para profissionais do direito quanto para investidores que buscam oportunidades nesse segmento. A compreensão detalhada desses dados permite o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de atuação e a identificação de nichos específicos com maior potencial de retorno.
Panorama Geral dos Precatórios 2026
O relatório aponta um total de 164.012 precatórios expedidos para pagamento em 2026, totalizando R$ 69,7 bilhões. Esse montante será distribuído entre 270.332 beneficiários, evidenciando que diversos precatórios possuem múltiplos credores. Um dado que chama atenção é o valor do maior precatório expedido: R$ 1,472 bilhão, sob responsabilidade do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de natureza comum (não alimentícia).
Outro ponto relevante é a ausência de precatórios classificados como de “grande vulto”, nos termos do § 20 do art. 100 da Constituição Federal, o que significa que não haverá pagamentos parcelados por esse motivo específico. Adicionalmente, foram identificados 211 precatórios relativos a demandas do Fundef, com valor somado de R$ 7,521 bilhões, representando uma parcela significativa do montante total.
Analisando a evolução histórica dos últimos cinco anos, observamos uma tendência de crescimento no número de precatórios, que passou de 114.211 em 2022 para 164.012 em 2026, representando um aumento de aproximadamente 43,6%. Quanto aos valores, houve oscilações significativas, com o pico sendo registrado em 2025 (R$ 75,6 bilhões) e uma pequena redução para 2026 (R$ 69,7 bilhões).

Gráfico 1: Evolução Histórica de Precatórios (2022-2026)
Análise da Distribuição por Valor
A distribuição dos precatórios por faixa de valor revela uma concentração significativa em termos de quantidade nas faixas de menor valor, contrastando com a concentração de recursos nas faixas mais elevadas. Os precatórios de até R$ 1 milhão representam 97,76% do total em quantidade, mas apenas 46,58% em valor monetário. No extremo oposto, apenas 4 precatórios (0,00% do total) ultrapassam R$ 1 bilhão, mas representam 7,17% do valor total (R$ 4,996 bilhões).
Essa distribuição assimétrica é particularmente relevante para advogados e investidores, pois indica diferentes estratégias de atuação conforme o nicho escolhido. Enquanto o mercado de precatórios de menor valor apresenta maior volume de oportunidades, os de maior valor, embora raros, concentram recursos significativos e podem representar oportunidades estratégicas específicas.
Na faixa intermediária, os 66 precatórios entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões (apenas 0,04% do total) representam 18,62% do valor global (R$ 12,975 bilhões), evidenciando um nicho potencialmente interessante para investidores com maior capacidade de aporte e para escritórios de advocacia especializados em causas de grande valor.

Gráfico 2: Distribuição por Faixa de Valor
Composição dos Precatórios
Analisando a distribuição por agregado de despesa, observamos que a categoria “Outras despesas de custeio e capital” (OCK) representa a maior fatia do montante total, com R$ 36,656 bilhões (52,62%), distribuídos em apenas 15.056 precatórios. Isso indica um valor médio por precatório significativamente superior nessa categoria.
Os precatórios previdenciários, por sua vez, são os mais numerosos (112.125 precatórios), totalizando R$ 23,625 bilhões (33,91%). Essa categoria representa uma área de atuação tradicional para muitos advogados e um segmento relevante para investidores, especialmente considerando a previsibilidade relativamente maior desse tipo de pagamento.
Os precatórios relacionados a pessoal somam R$ 8,861 bilhões (12,72%), distribuídos em 32.783 requisições, enquanto aqueles vinculados à Lei Orgânica da Assistência Social/Renda Mensal Vitalícia (LOAS/RMV) representam apenas 0,75% do valor total (R$ 525,3 milhões), com 4.048 precatórios.

Gráfico 3: Distribuição por Agregado de Despesa
Órgãos Responsáveis
A análise por órgão executado revela uma concentração significativa em dois principais responsáveis: Encargos Financeiros da União, com R$ 39,087 bilhões (56,10%), e Ministério da Previdência Social, com R$ 25,438 bilhões (36,51%). Juntos, esses dois órgãos respondem por 92,61% do valor total dos precatórios para 2026.
É importante destacar que o órgão orçamentário Encargos Financeiros da União concentra os precatórios decorrentes de ações envolvendo órgãos da administração direta, enquanto nos demais órgãos executados encontram-se os precatórios oriundos de demandas em face das respectivas entidades da administração indireta.
Na sequência, aparecem o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (R$ 1,463 bilhão, 2,10%), o Ministério da Educação (R$ 1,369 bilhão, 1,97%) e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (R$ 525,3 milhões, 0,75%). Os demais órgãos representam, individualmente, menos de 1% do valor total.

Gráfico 4: Top 5 Órgãos Executados
Distribuição no Poder Judiciário
A Justiça Federal concentra a maior parte dos precatórios, tanto em quantidade (143.007 precatórios, 87,19%) quanto em valor (R$ 64,307 bilhões, 92,31%). Esse dado é particularmente relevante para advogados e investidores, pois indica onde estão as maiores oportunidades em termos de volume financeiro.
Dentro da Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região lidera com R$ 25,310 bilhões (39,36% do total da JF), seguido pelo TRF-3 com R$ 16,461 bilhões (25,60%) e pelo TRF-4 com R$ 9,385 bilhões (14,59%). O TRF-6, mais recentemente criado, responde por R$ 2,076 bilhões (3,23%).
A Justiça Estadual aparece em segundo lugar, com R$ 3,161 bilhões (4,54%) distribuídos em 15.426 precatórios, seguida pela Justiça do Trabalho, com R$ 1,206 bilhão (1,73%) em 4.469 precatórios. O Supremo Tribunal Federal, embora com apenas 32 precatórios (0,02%), responde por R$ 672,8 milhões (0,97%), evidenciando o alto valor médio dessas requisições.
Na Justiça Estadual, o Tribunal de Justiça de São Paulo concentra a maior parte dos valores (R$ 1,739 bilhão, 55,02% do total da Justiça Estadual), seguido pelos tribunais do Rio Grande do Sul (R$ 245,9 milhões, 7,78%) e do Rio de Janeiro (R$ 239,8 milhões, 7,58%).
Na Justiça do Trabalho, o TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro) lidera com R$ 327,3 milhões (27,14% do total da JT), seguido pelos TRTs do Ceará (R$ 178,6 milhões, 14,80%) e do Rio Grande do Sul (R$ 178,5 milhões, 14,80%).

Gráfico 5: Distribuição por Ramo do Judiciário

Gráfico 6: Distribuição na Justiça Federal (TRFs)
Tempo de Tramitação
A análise temporal dos precatórios revela dados importantes sobre a eficiência do sistema judiciário e oferece insights valiosos para o planejamento estratégico de advogados e investidores. O relatório apresenta a distribuição dos precatórios considerando o tempo decorrido entre a data de ajuizamento da ação originária e a da sua expedição.
No total, 40,5% do valor dos precatórios corresponde a ações ajuizadas há mais de 20 anos, evidenciando o longo prazo de tramitação de muitas demandas. No Supremo Tribunal Federal, esse percentual chega a impressionantes 83,5%, indicando que a grande maioria dos precatórios expedidos pelo STF refere-se a ações muito antigas.
Na Justiça Federal, a distribuição é mais equilibrada, com 26,4% do valor correspondendo a ações com mais de 20 anos, 25,9% entre 15 e 20 anos, 23,4% entre 10 e 15 anos, 18,5% entre 5 e 10 anos e apenas 5,3% para ações ajuizadas há menos de 5 anos.
A Justiça do Trabalho apresenta um perfil diferente, com maior concentração nas faixas intermediárias: 30,8% do valor para ações entre 5 e 10 anos, 30,4% entre 10 e 15 anos e 30,1% entre 15 e 20 anos. Apenas 8,5% correspondem a ações com mais de 20 anos, indicando uma tramitação relativamente mais célere nesse ramo do Judiciário.

Gráfico 7: Análise Temporal por Ramo do Judiciário
Demandas Salariais
As demandas salariais movidas por agentes públicos representam um segmento específico dos precatórios, totalizando R$ 6,487 bilhões distribuídos em 27.758 requisições. O Poder Executivo concentra a maior parte dessas demandas, com R$ 6,125 bilhões (94,41%) em 26.348 precatórios.
Dentro do Poder Executivo, o Ministério da Previdência Social lidera com R$ 1,419 bilhão (23,17%), seguido pelo Ministério da Fazenda (R$ 1,150 bilhão, 18,78%) e pelo Ministério da Educação (R$ 981,7 milhões, 16,03%). Esses três ministérios concentram 57,98% do valor total das demandas salariais do Executivo.
O Poder Judiciário aparece em segundo lugar, com R$ 352,4 milhões (5,43%) em 1.381 precatórios, seguido pelo Ministério Público da União (R$ 9,8 milhões, 0,15%), Poder Legislativo (R$ 0,3 milhão) e Defensoria Pública da União (R$ 0,1 milhão).

Gráfico 8: Demandas Salariais por Poder
Procedimentos Orçamentários e Cronograma
O relatório detalha os procedimentos orçamentários para pagamento dos precatórios em 2026, estabelecendo um cronograma que é essencial para advogados e investidores acompanharem. O processo teve início em 2 de abril de 2025, data-limite para a apresentação dos precatórios pelos tribunais.
Até 30 de abril de 2025, o Poder Judiciário enviou os dados de precatórios apresentados à Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento (SOF/MPO). Na elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA2026), a SOF/MPO realizará a identificação dos precatórios do Fundef, além de estimar a atualização monetária e alocar os recursos orçamentários adequadamente.
Até 31 de janeiro de 2026, o Poder Judiciário deverá enviar à SOF/MPO uma lista unificada contendo alterações, cancelamentos ou suspensões dos precatórios apresentados. Posteriormente, ainda em 2026, o Poder Judiciário enviará à SOF/MPO as informações orçamentárias atualizadas acerca dos precatórios a serem pagos, já corrigidos monetariamente.
A SOF/MPO, então, descentralizará os recursos orçamentários aos tribunais exequentes, que realizarão os pagamentos aos beneficiários. O conhecimento detalhado desse cronograma permite aos advogados orientarem adequadamente seus clientes quanto às expectativas de recebimento e aos investidores planejar suas estratégias de aquisição e negociação.
Implicações para Advogados
Para os advogados que atuam com precatórios, o relatório oferece insights valiosos para o direcionamento estratégico de suas atividades. A concentração de valores na Justiça Federal, especialmente nos TRFs da 1ª e 3ª Regiões, sugere um foco prioritário nessas jurisdições para escritórios que buscam atuar em causas de maior valor.
A análise da distribuição por faixa de valor indica dois nichos distintos: o mercado volumoso de precatórios de menor valor (até R$ 1 milhão), que representa a maioria das requisições, e o mercado de precatórios de alto valor, que, embora restrito em quantidade, concentra parcela significativa dos recursos.
O tempo médio de tramitação das ações até a expedição do precatório é outro dado relevante, pois permite aos advogados estabelecerem expectativas mais realistas junto aos clientes e planejar estratégias de longo prazo. A variação desse tempo entre os diferentes ramos do Judiciário também pode orientar a escolha do foro mais adequado, quando houver essa possibilidade.
As demandas previdenciárias, que representam o maior número de precatórios, continuam sendo uma área promissora para atuação especializada, assim como as causas relacionadas a “Outras despesas de custeio e capital”, que concentram o maior volume financeiro.
Implicações para Investidores
Para investidores no mercado de precatórios, o relatório oferece um mapeamento detalhado das oportunidades disponíveis. A concentração de valores em poucos precatórios de grande montante sugere a possibilidade de estratégias focadas em negociações específicas de alto valor, enquanto o grande volume de precatórios de menor valor indica um mercado amplo para operações mais pulverizadas.
A distribuição por órgão executado, com forte concentração nos Encargos Financeiros da União e no Ministério da Previdência Social, permite aos investidores direcionarem seus esforços para os segmentos com maior volume financeiro e, potencialmente, maior previsibilidade de pagamento.
A análise temporal das demandas também é relevante para a avaliação de risco, pois precatórios originados de ações mais antigas podem apresentar perfis de risco distintos daqueles mais recentes. Essa informação, combinada com a distribuição por ramo do Judiciário, permite uma segmentação mais precisa do mercado e a identificação de nichos específicos com relações risco-retorno mais favoráveis.
Os precatórios previdenciários, tradicionalmente vistos como mais seguros devido à sua natureza alimentar, continuam representando um segmento significativo, com 33,91% do valor total. Por outro lado, os precatórios classificados como “Outras despesas de custeio e capital”, que incluem as demandas do Fundef, oferecem oportunidades de maior volume financeiro, embora potencialmente com perfis de risco distintos.
Conclusão
O Relatório de Precatórios 2026 apresenta um panorama detalhado do cenário para o próximo exercício orçamentário, com informações essenciais para advogados e investidores que atuam nesse mercado específico. Os dados revelam um volume significativo de recursos (R$ 69,7 bilhões) distribuídos em 164.012 precatórios, com concentrações específicas em determinados órgãos, ramos do Judiciário e faixas de valor.
A análise técnica desses dados permite identificar tendências, oportunidades e desafios, orientando o planejamento estratégico tanto de profissionais do direito quanto de investidores. A compreensão detalhada da distribuição dos precatórios, dos tempos médios de tramitação e dos procedimentos orçamentários é fundamental para uma atuação eficaz nesse segmento.
O mercado de precatórios, embora complexo e sujeito a particularidades específicas do sistema jurídico brasileiro, continua representando um campo relevante tanto para a advocacia especializada quanto para investimentos alternativos. O acompanhamento contínuo dos dados oficiais, como os apresentados neste relatório, é essencial para a tomada de decisões informadas e para o desenvolvimento de estratégias bem-sucedidas nesse contexto.